Caderno de Figuras: Helena

por Natasha de Pina

Figura! Que Figura!

 

Pois bem, faz um mês que contei das minha aventura ao conhecer um revolucionário iraquiano que pedira asilo aos Estados Unidos. Bob, grande Bob, foi minha Figura 1.

Pensando nas minhas andanças por aí, já dizia Gonzagão: “minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz”, achei por bem falar de um super mulherão que conheci na Chapada dos Veadeiros há algumas primaveras.

Helena é a nossa próxima Figura!

Nada imponente como a filha de Zeus, Helena era uma menina mignone, magrinha, que não parava de falar nunca. Falo super de boa: Helena falava mais do que eu e olha que sou geminiana. Toda pequenina, conheci essa figura nas Loquinhas, em Alto Paraíso de Goias. Descendo uma escada que dava acesso a uma daquelas lindas quedas, vi Helena sentada, toda contemplativa, olhando para a pedra de onde saía apenas um fio d’água. Era época de seca, as Loquinhas estavam longe de seu auge de beleza.  

            “Não tem cachu”, falou. Olhei para ela e disse: “ih, é verdade. Época de seca, não é? Já veio aqui em época de cheia?” E foi aí que o papo começou e não parou mais.

Helena tinha deze-tantos anos. Era apaixona pela Chapada. Não morava lá, era de outra cidade de Goiás, mas ia toda vez que pudesse para aquela terra. Falava que lá havia uma energia diferente. Falou dos lugares para ir, das melhores cachoeiras, das cervejas boas e baratas de São Jorge, falou do festival (ai, gente, o Festival de Folclore do São Jorge! Vida!), contou que estava hospedada em Alto Paraíso numa casa de um hippie com mais 15 pessoas. E que, sempre que podia, levava o filho. Oi? Filho? Sim, Helena, toda miudinha, naquela pequeneza toda, tinha um filhinho de 3 aninhos. “Ele é meu Toddynho.” Parei. Fiz cara de conteúdo, ela retomou: “meu companheiro de aventuras.” Achei fofo. Achei lindo. Roubando o humor de Helena, tentei usar a marca com meu então noivo. Obviamente não deu certo. Simplesmente não combinava.

O lance do Toddynho é super profundo. Não sei se lembram (ou se eram vivos para lembrar) dessa propaganda. Era ótima! Tinha um menininho e a caixinha de Toddynho animada e eles faziam altas peripécias e estripulias juntos. Estou falando aqui de anos 90. A parada era roots! Era essa a ideia que Helena queria passar. Ela falava com tanto amor do filho. Amor de mãe que tem que se mãe, pai, amiga, médica, travesseiro, peito, tudo ao mesmo tempo. Falou que a Chapada era maravilhosa, mas era muito mais mágica quando o filhote acompanhava. Contou-me da dificuldade que é criar um filho sozinha, uma vez que o pai de vez em quando busca o filho para brincar umas poucas horinhas, mas que não era tão presente assim.

Helena me vez sentir (sem sentir, na verdade, porque só sente mesmo quem está na pele) as agruras de ser mãe nova, com estudos a terminar, com experiências e malandragens para adquirir, com a vida toda a entender. Não deixou, em nenhum segundo, de transparecer o amor desmedido que tinha pelo filho, mas falou abertamente que tinha noção de que, se pudesse, teria esperado mais para tê-lo. O Toddynho de Helena nasceu de um mole dado em uma dessas noites aí…

Quando não estava com ele, Helena se juntava à turminha do barulho de São Jorge. Tocavam violão, cantavam, fumavam um, passavam o dia todo na cachoeira… Quando tinha oportunidade, se isolava de todos e ia meditar. Contou de algumas vezes em que entrou numa espécie de transe tão profundo que ninguém conseguia acordá-la. Uma vez, no Raizama, seus amigos desistiram e simplesmente a deixaram lá. Quando acordou, conta, já estava escuro e ela estava sozinha. Teve que voltar de trilha, ela com ela mesma, no meio das mais variadas espécies perigosas do mundo animal, na escuridão. Detalhe: a cachoeira do Raizama fica a 39 km de Alto Paraíso. Tudo indica que tenha conseguido uma carona para voltar para a cidade. Não me lembro de ter falado que voltara a pé. Seriam mais de 7 horas andando. Se me falasse isso, eu diria que era a mais loroteira da cerrado. Pega-se bastante carona naquela região.

Encontrei Helena em outras cachus do cerrado naquela mesma viagem. Algumas vezes a vi meditando. Com medo de que pudesse acontecer de novo, ficava de olho para que não a deixassem lá. Sororidade.

Tentei trocar contato, mas sabe como é esse povo riponga livre: se der para se encontrar de novo, beleza. Se não der, é porque assim o destino quis. E está tudo bem. E está mesmo. Depois dela, outras Figuras apareceram em meu caminho. Mas ela marcou. Marcou pela força, pela sagacidade. Helena me mostrou que a gente pode tanto que nem imagina.

Natasha de Pina

Sou carioca e curiosa que só! Entre letras e quilômetros, vou escrevendo a vida.

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