Diário de Bordo: Bananal, SP (2012)

A minha primeira ida ao Vale do Paraíba foi em uma viagem de trabalho à Bananal em que exploramos um pouco da questão histórica, pensando a crise do império brasileiro e do sistema escravocrata. Como a região fazia uso de mão-de-obra escrava, ela entra em declínio com a vinda de imigrantes para as fazendas modernizadas do Oeste fluminense. Monteiro Lobato escreveu sobre isto no que ele chamou de Cidades Mortas.

 

“A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ora em via disso, tolhidas de insanável caquexia, uma verdade, que é um desconsolo, ressurge de tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os mesmos, reflui com eles duma região para outra. Nilo emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando atrás de si um rastilho de taperas.

A uberdade nativa do solo é o fator que o condiciona. Mal a uberdade se esvai, pela reiterada sucção de uma seiva não recomposta, como no velho mundo, pelo adubo, o desenvolvimento da zona esmorece, foge dela o capital — e com ele os homens fortes, aptos para o trabalho. E lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas.

Em São Paulo temos perfeito exemplo disso na depressão profunda que entorpece boa parte do chamado Norte.

Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito.

Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de dantes.

Pelas ruas ermas, onde o transeunte é raro, não matracoleja sequer uma carroça; de há muito, em matéria de rodas, se voltou aos rodízios desse rechinante símbolo do viver colonial — o carro de boi. Erguem-se por ali soberbos casarões apalaçados, de dois e três andares, sólidos como fortalezas, tudo pedra, cal e cabiuna; casarões que lembram ossaturas de megatérios donde as carnes, o sangue, a vida para sempre refugiram.”

(LOBATO, Monteiro. Cidades mortas. São Paulo: Globo, 2007. p. 21.)

O nosso tour basicamente foi a visita à fazendas de cafés e a observação de toda a sua estrutura, como as senzalas. Existem muitos museus-casas por lá e é bem bacana observar. Meses atrás surgiu uma polêmica sobre uma fazenda no Vale do Paraíba Fluminense, que perdeu a mão ao tentar teatralizar  a situação. Vale muito a pena ler o texto de Cecília Oliveira no Intercept sobre isso, “Turistas podem ser escravocratas por um dia em fazenda ‘sem racismo’ “.

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