Mulheres Viajantes: ~ Simone Moraes

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Harpendem, novembro de 2016

Começo minha viagem e reconheço que é um privilégio. Às vezes eu falo que é sorte, e às vezes eu prefiro não dizer nada. Nunca tive aquele sonho europeu ou inglês. E esse lugar chegou a mim, depois de longas horas de avião, com direito à tensão na imigração. Trinta anos nas costas, carrego junto comigo o peso de ter começado a aprender inglês, de verdade, apenas aos vinte e sete.

Tenho o necessário para viver, o famoso trio – casa, comida (eu faço) e roupa lavada (eu coloco na máquina) – mas algumas coisas continuam sendo algumas coisas em qualquer lugar do mundo. Sair da sua casa, mudar sua rotina, sentir saudades da família, ficar longe dos amigos, abrir mão de algum amor e encontrar pessoas estranhas (nos dois sentidos).

Pronto, estou no mundo. Cheia de mim e vazia do que até ontem era “meu”. Saí de São Paulo no frio e cheguei aqui no calor, de botas e polainas. Ansiosa, não conseguia abrir a porta de casa. Precisei andar pela cidade, de polainas, em busca de ajuda. Passei por uma mulher inglesa, de shortinho, que tinha as pernas mais bronzeadas do que a minha.  Não teve aquele contraste legal porque eu estava de calça. Uma pena. Pedi ajuda para outra moça que me emprestou seu celular e pude fazer uma ligação. Fiquei bege e consegui entrar em casa.

Primeira noite sozinha, a cidade é um bom cenário de filmes de terror ou daqueles que te deixam meio “deprê”. Mas é incrível como o calor acolhe e como a felicidade torna tudo mais leve, seguro e bonito.

Alguns minutos de trem, me apaixonei por Londres, pelo menos umas quinze vezes, e visitei todos os museus que eu quis. Parece estranho, mas eu adoro andar naquele metrô.

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Eu e Joseph Beuys, Tate Modern, setembro de 2016

Já levei três tombos de escada. Eu não sei a lógica desse lugar que a estatura média é maior que a minha, mas os degraus são menores que meu pé.

Em um dia quente, tomei cerveja sozinha na beira do rio Thames, de frente para a Tower Bridge. Nesse dia conheci duas dinamarquesas que passaram o penúltimo carnaval do Rio. Depois de descascarem a terra do samba, uma delas chegou sozinha à conclusão de que no Brasil você não se sente seguro, mas as pessoas ajudam umas às outras, ao contrário daqui.

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London Bridge, setembro de 2016

Fui ao cinema sozinha, me visto de maneiras que jamais me vestiria em São Paulo.  Já dei jeitinhos brasileiros (me julguem).

Dancei forró em um pub. Uma amiga italiana que me levou e eu era a única brasileira.

Fui para Amsterdã, atravessei a cidade de bicicleta e outras coisas. Mas essa parte merece outro texto.

Aderi ao vício local e ando por aí com meu copo de café, tenho a opção com leite de soja e orgânico (me julguem novamente). Já fui duas vezes naquele café que tem uma sereia. Antes de vir, eu havia prometido pra mim que não entraria em nenhum.

Namoro com a arquitetura das cidades. Descobri que gosto de aranhas, sou amiga delas e das dezenas de joaninhas que me visitam todos os dias.

Ainda apanho com a língua. Mas ganhei amigas que me ensinam a completar as frases em italiano e, algumas vezes, em francês. Repenso e me apaixono pelo português quase todos os dias.

Na vida, ouvi algumas vezes que eu parecia europeia. Aqui é bem evidente o quanto eu sou latina.

Hoje, há exatos três meses, o tempo e a paisagem mudaram. Fico feliz com as manhãs de céu azul e com temperaturas perto dos 8°C. As cores do outono compensam os dias frios e cinza. Aliás, descobri o que são de verdade as estações. As expressões “naquele outono” ou “foi no verão daquele ano” agora fazem mais sentido.

Comprei um casaco no brechó e estou vivendo meu outono. Junto com ele, eu seco, eu choro e eu recolho o mar de folhas douradas pelo chão.

Já estou na segunda metade da minha viagem, e aquele vazio voltou a dar lugar ao que tem se tornado “meu”.

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Cambridge, outubro de 2016

Simone Moraes, 24 de novembro de 2016, Reino Unido

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