Mulheres Viajantes: ~ Tathi Anselmo

Por Tathi Anselmo

laguna chaxar
Laguna Chaxar

Existe uma coisa que, desde pequena, eu aprendi: estar no meio da natureza é o momento que tenho para me reconectar comigo mesma.

Desde cedo eu tive o privilégio de viajar: meu pai mergulhava e sempre carregava a gente pra cima e pra baixo quando ia pra “campo”. Não me lembro, mas minha mãe me conta, que a primeira vez que acampei eu tinha poucos meses de vida. Talvez por isso, por ter acostumado desde muito pequena a essa rotina, acampar é uma das coisas que mais amo fazer na vida.

Claro que infelizmente nem todo mundo tem a chance de poder viajar por falta de grana ou disponibilidade, afinal de contas, dependendo do tempo que você tem (no meu caso, eu sempre uso minhas férias pra viajar…), não dá pra ficar esperando uma carona por dias, ou depender dela pra chegar em algum lugar. Óbvio que viajar assim é muito incrível, mas pra isso você precisa se desprender de várias coisas e não ter compromissos e responsabilidades (com data marcada, como por exemplo o fim das férias… L ), que façam você ter que voltar pro seu ponto de partida.

De qualquer forma, como eu disse, eu sei do privilégio que tenho ao poder viajar por aí nas minhas férias, no entanto, pra que isso aconteça eu sigo algumas coisinhas antes de decidir meu destino. A primeira delas é levantar os lugares que eu tô muito a fim de ir e, como são muitos, acabo elegendo os 3 mais baratos e melhores pra visitar na época do ano que eu terei disponível.

Faço contas e fico por meses olhando site de passagem quase que diariamente, acompanhando os valores até achar um preço que seja razoável. Desta maneira, já consegui comprar passagem pra diversos lugares muito abaixo do que elas realmente são. (Normalmente compro passagem com muitos meses de antecedência em promoções relâmpagos…). Depois de resolvida as passagens, começo a pensar na hospedagem: a maioria das vezes que viajo, acabo ficando na casa de conhecidos, amigos ou acabo buscando pessoas pelo couchsurfing, que por diversas vezes já me salvou e que sempre me trouxe ótimas experiências (todas essas opções acabam ajudando na economia de grana). Resolvido isso, levanto os principais pontos turísticos do lugar pra onde estou indo, mas, como nem tudo de mais belo é o que está aí pra turista ver, acabo conversando com as pessoas que vivem nesses lugares e descobrindo outras direções encantadoras em cada uma das viagens que faço, sempre saindo da rota turística (não a deixo de fazer, claro, mas complemento sempre visitando lugares onde muitos turistas nunca vão.).

Dessa maneira já conheci paisagens que nunca pensei que as veria pessoalmente. Algumas vezes tive a companhia de amigas ou amigos, mas muitas, muitas mesmo, encarei a estrada sozinha, com meu caderninho de lembranças e minha mochila nas costas.

laguna
Laguna Chaxar

Uma dessas experiências de “reconexão” comigo mesma, foi quando em 2015 estava em Santiago, no Chile, com uma amiga que voltaria pro Brasil enquanto eu teria mais alguns dias de viagem. Decidi então, que seguiria sozinha para o Deserto do Atacama, um lugar que há muito eu desejava conhecer e que me encantava de uma maneira que nem eu mesma sabia explicar. Tinha lido tantas coisas sobre lá, tantos relatos, visto tantas fotos, procurado informações em livros de Geografia, conversado com amigos do Chile que nunca haviam ido ao deserto mais árido do MUNDO, mas que sempre me indicavam alguém com quem eu pudesse conversar e amenizar toda minha curiosidade (e ansiedade!).

 

A viagem para o norte do Chile é cara e eu não tinha grana pra pegar avião até Calama (cidade onde tem o aeroporto mais próximo de San Pedro do Atacama, porta de “entrada” pro deserto). Foi então que decidi pesquisar rotas alternativas, caronas, passagem de ônibus e encontrei uma em promoção pela metade do preço. Ok, vamos lá. 26h dentro do busão, que não faz parada, sentindo seu nariz e sua garganta irem secando cada vez mais a medida que sua expectativa vai crescendo enquanto a paisagem pela janela vai se transformando, num show de cores que vai numa escala de laranja até o cinza, sempre coberta por um céu azul maravilhoso durante o dia e a noite, o céu mais lindo que já vi na vida. O calor durante o dia e a baixa temperatura me preparavam pelo que encontraria quando chegasse por lá.

Desembarcando na rodoviária de San Pedro, às 19h30 de uma quinta-feira, já era um breu só. Cidadezinha pequena, com uma única rua principal. A rodoviária da cidade tem apenas três paradas de buso e é todinha feita em madeira, com o chão de terra batida. Poeira e terra vermelha, é uma coisa bem comum por lá.

Saindo da rodoviária, me senti com medo pelo escuro, as ruazinhas estreitas e sem iluminação. Aquele medo de quem mora em SP e acha que vai acontecer alguma coisa. Um frio que cortava o rosto, tudo escuro, eu nem sabia ao certo o que ia fazer e nem onde eu ia ficar. Tinha o endereço de um hostel, o mais barato que tinha encontrado e que era um pouco afastado (5 minutos a pé) da rua principal, a Caracoles. Daí que resolvi seguir em frente porque vi umas luzes e deduzi que ali seria a tal rua principal. Quando olhei pro lado, ainda um pouco num misto de medo-êxtase-ansiedade, vi pela primeira vez ele, o vulcão que eu já tinha lido um milhão de coisas e que estava ansiosa demais pra ver. EU NUNCA TINHA VISTO UM VULCÃO NA VIDA. O Licancabur, mesmo no escuro, é imponente, lindo, maravilhoso. Você consegue vê-lo de qualquer ponto de San Pedro do Atacama. Essa cena é algo que nunca vou conseguir esquecer: o topo coberto de neve, com uma estrela em cima dele que o fazia ficar inteiro iluminado! A lua tava cheia e parecia reluzir no vulcão. Chorei. Chorei de emoção, chorei por estar ali e me senti aliviada, como se alguma coisa me acalmasse e fizesse com que eu caísse num estado quase que de choque com aquilo que eu tava vendo. Sentei ali na calçada por uns 5 minutos e fiquei ali parada olhando meio que chocada, meio que emocionada, meio que sei lá o que era o que eu tava sentindo. Pode parecer meio hippie isso, mas eu senti uma conexão muito forte com aquele lugar.

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Rua Caracoles

Passada essa “recepção”, encontrei uma garota de 14 anos que me ajudou a encontrar a rua que eu procurava (a do hostel). Fui super bem recebida lá que no fim da viagem (ficaria em San Pedro por 4 dias, mas a paixão foi tanta que estendi por 7…) ganhei até um perfume da dona do hostel (Talar Hostel), que era de Israel e que ficava super conversando comigo todos os dias quando eu voltava pra dormir.

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Chaxar

Dia seguinte acordei bem cedo e fui dar uma volta na cidade…por horas passei sentada no meio do deserto, em algumas pedras admirando o céu e o vulcão (descobri mais outros tantos e a brincadeira virou descobrir se o que eu via era vulcão ou montanha…não me lembro o número exato de vulcões, mas são muitos!).

Em uma semana que passei em Atacama, conheci a cidade, o museu de arqueologia, peguei uma festa tradicional dos estudantes, fui aos Geisers del Tatio, ao Valle de La Luna, ao Valle de La Muerte, Piedra del Coyote, Cordillera de la Sal, Salar de Tara, Laguna Chaxar/Reserva Nacional de los Flamencos, Pueblo Toconao, Pueblo Machuca, Pueblo Socaire (esses “pueblos” são aldeiazinhas espalhadas pelo deserto), vi um monte de animais que só existem no deserto, morri de amores pela vegetação tão específica do Atacama e me emocionei mais trezentas vezes olhando tudo aquilo e brisando sozinha a noite olhando o céu mais incrível que eu já vi na vida. Era tanta estrela, tanta estrela, tantas cores diferentes na paisagem (que vai mudando conforme o dia vai passando e me impressionou muito, MUITO ver que os vulcões vão ficando avermelhados no fim do dia… <3 ) que é muito impossível descrever isso.

Foi a melhor viagem que eu fiz na vida, a experiência mais profunda que eu já tive comigo mesma, de me conhecer, de me desafiar (porra, eu tava no meio DE UM DESERTO! Sem conexão com a internet, sem ninguém que eu conhecesse, sem contatos, sem nada!) e que eu posso afirmar, com toda a certeza do mundo, que descobri ali uma coisa muito maior dentro de mim mesma e que talvez nunca ninguém entenda, mas que me transformou pra vida inteira.

Poderia escrever mais um monte, porque sofro de verborragia, mas termino meu depoimento aqui com Fernando Pessoa:

“Viajar! Perder países! 

Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.”

salar do atacama
Salar do Atacama

2 comentários em “Mulheres Viajantes: ~ Tathi Anselmo

  1. Amei conhecer sua história, Tathi. Sinto profundamente essa volta ao eu, esse reequilíbrio em meio a natureza. Penso que este é o verdadeiro “religare”. Tantos sábios, filósofos, antropólogos falaram sobre esse processo de reconexao com o eu, mas sem dúvida a experiência é imbatível. Obrigada, Thaís, por criar este espaço pars compartilhar histórias. A gente se pega pensando nas tantas coisas em comum que podemos ter nesses tempos de pura individualidade.

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