Lilian e MochileiroZinho em busca de um lar

Lilian, 32 anos (na época relatada no neste post), nascida e criada em São Bernardo do Campo, UX designer, divorciada, sem filhos, sem gato ou cachorro, sem âncoras e com o mundo inteiro pela frente.

Morei em São Paulo durante 8 anos e acho que durante todo esse tempo eu sempre quis morar em outro lugar.
Eu queria fugir do caos da cidade, mas sem deixar de morar em um lugar urbano, cheio de vida e movimento, queria fugir da violência e tinha o sonho de poder andar sozinha a noite pelas ruas sem sentir medo. Eu queria ir para o trabalho e voltar pra casa no final do dia sem sentir que perdi horas de vida no trânsito, sem ser espremida no transporte público e sem ouvir “gracinhas” pelo caminho.
Em 2012, criei a mania de sempre que possível, ir visitar algum lugar onde eu gostaria de morar pra conhecer e ver com os meus próprios olhos a realidade. Sempre fazia um pouco de passeios turísticos e passeios fora do roteiro turístico pra ver a realidade da cidade e como era a população local, não apenas os turistas.
Peguei gosto por visitar supermercados, ficar caçando produtos diferentes que não encontro no Brasil e ficar olhando o que as pessoas estão comprando.
Sempre usar o transporte público virou regra de viagens pra mim, táxi só se for a noite pra voltar da balada. Eu queria ter um pouco da experiência de como é morar no lugar e fazer coisas do dia-a-dia.
Gostava de viajar sozinha pra ter liberdade de fazer meu próprio roteiro e poder fazer programa de índio quando quisesse, mas viajar com uma companhia é sem dúvida alguma bem mais divertido.

MochileiroZinho, meu companheiro de viagens

Em 2014, uma amiga foi viajar e quando voltou me trouxe de presente um mini-boneco de vodu que resolvi chamar de Zinho (VoduZinho), meu instagram foi então inundado com fotos torturando o coitado do boneco. Algumas semanas depois eu tirei férias e levei o boneco comigo em uma viagem, desde então meu instagram passou a mostrar as aventuras do pequeno boneco de vodu, @MochileiroZinho.
Foram muitas aventuras, até que em 2015, eu, surtada com a vida estressante de São Paulo e um trabalho que não me fazia feliz, resolvi largar tudo, tirar um ano sabático e fazer um intercâmbio em Dublin, Irlanda, pra melhorar o inglês.
No meu primeiro dia em Dublin fui recebida por um amigo de São Paulo, um pint de Guinness e uma bela de uma chuva no caminho de volta pra casa. Já tinha entendido onde é que eu tinha ido parar. Dublin = Guinness + chuva.

Por que Dublin?

Dublin foi escolhida devido a ser uma cidade onde um dos idiomas oficiais é o inglês, o custo de vida em comparação com outras cidades que também falam inglês, o preço do curso de inglês e a facilidade para viajar para outros países da Europa que eu queria conhecer.
Minha intenção era melhorar o inglês e depois botar uma mochila nas costas e ir usar o novo idioma explorando a Europa.
O período em Dublin teve coisas boas e ruins, de fato melhorei e muito o meu inglês, em um mês, com a ajuda de alguns pints, eu já conseguia conversar com os irlandeses e outros estudantes ou viajantes. O sotaque irlandês não é dos mais fáceis de entender but it’s not so bad.
Eu adorava me sentir segura ao voltar pra casa a noite depois de sair de um pub, o único perigo que eu encontrava no meu caminho à noite eram as raposinhas correndo pela rua, mas se você não mexer com elas, elas não tem porque te atacar.
Mas apesar de toda a liberdade que eu sentia nem tudo foram flores, tive alguns problemas por lá apenas por ser mulher.

Uma mulher brasileira sozinha

Logo que cheguei em Dublin fiquei um mês num quarto alugado na casa de uma irlandesa, até aí tudo bem, mas o aluguel era caro e me mudei pra uma outra casa que era mais em conta pro meu bolso.
Na casa moravam mais um brasileiro, muito querido, e dois irlandeses, um que não parava muito em casa e falava muito rápido, e outro que já era cinquentão e trabalhava como barman há 8 anos no mesmo pub. Esse cara me deu trabalho.
Umas das primeiras coisas que ele me perguntou quando cheguei na casa foi se eu estava procurando um irlandês pra me casar e tirar um visto permanente, olha as ideia!
O figura tinha mania de andar pela casa, mostrando sua barrigona de cerveja, vestindo apenas uma cueca branca, muito feia, estilo Walter White de Breaking Bad que me fazia querer vomitar toda vez que eu via.
O cara era com certeza alcóolatra e devia tomar um pint pra cada pint que servia no pub onde trabalhava. Todos os dias ele chegava bêbado em casa. Às vezes ele ”perdia” a chave dele e ficava jogando pedras na janela do meu quarto e me chamando pra eu abrir a porta pra ele, isso umas 3 da manhã.
Perdi a conta de quantas vezes ele me chamou pra tomar uns drinks no quarto dele. O figura só parou no dia que eu apareci em casa com um peguete e apresentei como meu namorado, porque veja bem… homem não respeita mulher, mas respeita outro homem. Na cabeça dele eu passei a ser propriedade de outro irlandês.
Mas esse cara não foi o meu único problema em Dublin. Vi comportamentos não muito amigáveis e respeitosos vindo de irlandeses, italianos, alemães, escoceses, espanhóis, poloneses, egípcios e até dos compatriotas brasileiros. Aparentemente babaquice machista não tem nacionalidade.
Teve cara na gritando ”LATINA!” pra mim na rua, teve adolescente passando de bicicleta do meu lado e roubando minha touquinha de frio, teve cara na balada vindo com papo de “ouvi dizer que brasileira é boa de cama, quero experimentar”, teve cara que eu dei um beijo na balada (erro meu) e achou que era meu dono e ficava mandando o amigo ver onde eu estava e me trazer de volta, teve cara no primeiro encontro (e último) fazendo piada machista e homofóbica, teve cara que dormiu comigo e obviamente não ligou no dia seguinte, mas isso é normal não é mesmo? Teve cara que bebeu demais e na hora do vamos ver não funcionou e depois veio me acordar as 5 da manhã achando que eu tinha obrigação de alguma coisa, teve cara que quis ficar pra sempre comigo, mas sempre que eu tinha algum problema ou estava triste ele dizia que isso não era importante e não me ouvia.
Acho que um dos que me deixou mais chocada foi num dia que eu estava com o pessoal da minha escola de inglês em um pub e resolvi aprender a dançar passata (não sei se é assim que escreve) com um dos espanhóis da minha turma que gostava de  dançar. Estávamos dos divertindo dançando ao som de música latina e um outro espanhol, cinquentão, resolveu se intrometer na brincadeira, mas de uma forma não tão legal, muito menos didática.
Disse que queria dançar comigo e depois mudou o assunto pra forró, porque veja bem… eu sou brasileira, logo tenho a obrigação de saber sambar e dançar forró. Falei que não sabia dançar forró e ele insistiu e começou a dançar comigo, só que o que ele queria mesmo era ficar me encochando. Cortei a brincadeira (sem graça) e fui sentar na mesa de novo. Ele voltou pra mesa também e veio tentar me forçar um beijo, porque afinal, eu sou brasileira porque não? Desviei do infeliz e briguei com ele, um pouco depois ele foi embora.
Quando eu e os outros do grupo resolvemos ir embora notei que minha mochila não estava onde eu havia deixado, junto com as outras mochilas. Cada um pegou a sua mochila e sobrou uma, abri e adivinhem de quem era? Sim, do espanhol 50tão espertão. Ele pegou a minha mochila e deixou a dele só pra me forçar a procurá-lo pra destrocar e conseguir o meu telefone. Ridículo. Como se ter o número de telefone de alguém fosse garantia de alguma coisa.
Enfim, vou parar por aqui porque o que acontece em Dublin fica em Dublin.
Passados esses transtornos, peguei minha mochila e fui fazer o que eu gosto: viajar! Passei 40 dias mochilando pela Europa. Fui pra Londres, Madrid, Lyon, Paris, Bruxelas, Amsterdã, Berlim e Praga. Fiz o que tinha vontade de fazer, me levei a restaurantes. Me levei pra tomar uns drinks, me levei pra balada, me levei pra comer fast-food, me levei pra museus, me levei pra fazer picnic, fui onde eu quis, porque meu lugar é onde eu quiser!

Hora de voltar pra casa

Voltei pra Dublin pra terminar o curso de inglês e voltar ao Brasil. Depois de ficar tanto tempo na Europa vendo notícias sobre ataques terroristas, crise de refugiados, e depois de ter viajado o bastante pra entender que não existe lugar perfeito a única coisa que eu queria era ir pra casa e sentir que eu tinha um lar.
Claro que quando voltei pra Dublin não quis voltar pra casa do cinquentão alcóolatra e após passar uma semana em um hostel eu encontrei uma casa pra ficar até terminar o curso de inglês e fazer a prova.
A nova casa também não era perfeita, tive que conviver com algo que representava pra mim tudo o que eu não quero pra minha vida.
Na nova casa tinha eu, um búlgaro muito simpático instrutor de yoga e um casal de brasileiros. O casal era bem jovem e passava o DIA INTEIRO GRITANDO UM COM O OUTRO, se xingando e achando que isso é normal. Eu sabia todos os problemas pessoais deles porque as discussões não se limitavam as 4 paredes do quarto deles. Ainda bem que fiquei pouco tempo por lá e logo dei tchau pra Dublin e fui pra casa 🙂

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